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sexta-feira

O que faz os ricos, ricos

Uma piada que tem circulado nas rodas de gestores de fortunas brinca com a diferença no estilo de vida dos ricos e dos super-ricos dos últimos tempos. Enquanto os ricos acham que viajar de primeira classe é um luxo, os super-ricos consideram que chique mesmo é ter um avião para chamar de seu. O motivo do bom humor dos administradores de recursos é que o número de endinheirados, sejam ricos ou super-ricos, cresce a uma velocidade quase supersônica no Brasil, e boa parte dos gestores está pegando carona neste vôo. No ano passado, os ativos dos milionários nacionais cresceram 20%, de acordo com um levantamento da consultoria Boston Consulting Group. Em outra pesquisa, realizada pela corretora Merril Lynch, observa-se um aumento de 10,1% no número de pessoas com mais de R$ 1 milhão para investir ao longo de 2006, um incremento superior ao da média global de 8,3% no mesmo período. "Em 2007, vivemos o pico do boom desta liquidez no país", afirma Paulo Colaferro, sócio-diretor da Taler Empreendimentos.


A capitalização de pessoas físicas brasileiras tem crescido como efeito colateral de uma conjuntura favorável do mercado: expansão das fusões e aquisições no país - R$ 23,6 bilhões no primeiro semestre e estimativa de chegar a R$ 70 bilhões até o mês que vem-, aquecimento do mercado imobiliário e aumento substancial do volume das ofertas públicas de ações, que até quarta-feira geraram R$ 29,5 bilhões em 2007. A expectativa é que o IPO da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) na próxima sexta-feira deva adicionar outros nomes à crescente lista de milionários, a exemplo do que ocorreu com o lançamento de papéis da Bovespa neste ano.


Um agente influente e poderoso para o aumento desta liquidez no mercado são os fundos de private equity, geridos por financistas que montam fundos e compram e vendem empresas na bolsa. A análise é de René Werner, da Werner & Associados Consultores Internacionais em Desenvolvimento Societário, que também observa uma alteração significativa no horizonte com a chegada de novas gerações no comando das empresas familiares. "A primeira geração das companhias nacionais aplicava 100% de seus lucros na operação. Com a entrada das segundas e das terceiras gerações, vejo uma diversificação no portfólio, com aplicações também no setor financeiro. O que antigamente era visto apenas como risco é agora uma grande oportunidade."


Antes da fase atual de bonança, muitos dos clientes da Taler - empresa que administra uma carteira de R$ 1 bilhão - possuíam grande número de ativos engessados, com pouca liquidez. Com a onda de fusões e aquisições, muitos se desfizeram de seus empreendimentos e alguns venderam seus imóveis para grandes incorporações, o que resultou na disponibilidade de mais dinheiro para investir no mercado financeiro. Hoje, 45% do patrimônio dos clientes cujos recursos são administrados pela Taler têm participação acionária e 30% investem em ativos imobiliários.


"Vivemos um fenômeno de amadurecimento dos mercados. É o capitalismo chegando no Brasil. Antes vivíamos um pré-capitalismo, em que poucas pessoas dispunham de acesso ao mercado de capitais", afirma Ricardo Taboaço, sócio da Taboaço, Nieckele & Associados, que administra cerca de R$ 800 milhões em sua carteira. "Metade desses recursos foram gerados pelo esplendor da nova riqueza", prossegue.


De acordo com o estudo do Boston Consulting, o aquecimento na formação de fortunas no Brasil começou a se intensificar no início da década. Entre 2001 e 2006, o país ocupou a vice-liderança no ranking das nações que experimentou maior expansão no volume de riqueza, com aumento de 22,4%. Perdeu apenas para a quase sempre imbatível China, que teve acréscimo de 23,4% ao longo do mesmo período. "Desejo que 2008 seja tão bom quanto 2007, entretanto, não acho que vamos manter a mesma velocidade no aumento de liquidez. Mas o ano que vem será um bom ano", afirma o diretor da Taler.


Mesmo sem manter o ritmo, as perspectivas seguem uma rota de prosperidade. "Projetamos um crescimento de 7,2% ao ano nos ativos dos ricos da América Latina até 2011, mais do que a média global de 6,8% prevista para o mesmo período", diz Michael Angelicola, gerente do grupo de pesquisas estratégicas das Américas da consultoria Capgemini, que realiza anualmente o levantamento World Wealth Report em parceria com o Merril Lynch.


Em termos globais, a situação também tem sido positiva. Os ativos financeiros das pessoas super-ricas somados aos das ricas tiveram ganhos de 11,4% no ano passado, totalizando US$ 37,2 trilhões, segundo dados da corretora americana. Foi a primeira vez, em sete anos, que esse índice chegou aos dois dígitos. No ano passado, havia 9,5 milhões de pessoas no mundo - 0,14% da população da Terra - com mais de US$ 1 milhão em ativos para investimentos.


Os países dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) têm sido alguns dos propulsores dessa economia próspera, de acordo com Angelicola. A China e a Rússia estão no topo da lista dos dez países que possuem maior aumento no número de milionários do mundo. "A população de chineses ricos cresceu 7,8% e a de russos, 15,5%. O Brasil e a Índia se mantêm fortes", observa. Para ele, o aumento do PIB das nações em desenvolvimento, a estabilidade econômica, o encorpado lucro das companhias dos países emergentes e do fluxo maior de investimentos estrangeiros também devem ser considerados como fatores de enriquecimento das pessoas das nações em desenvolvimento.


Na categoria "exclusiva" dos super-ricos, o Brasil também vai bem, obrigado. Na última lista da mítica revista "Forbes", o país contribui com 20 nomes. Em 2006, havia apenas 16 super-ricos nacionais e há cinco anos eram apenas 5. A maioria dos empresários brasileiros da "Forbes" é de industriais ou de donos de empresas prestadoras de serviços, que não herdaram fortunas e deram saltos por si mesmos.



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"Vivemos um fenômeno de amadurecimento dos mercados. É o capitalismo chegando no Brasil", afirma Ricardo Taboaço
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A soma dos bens desses brasileiros passou de US$ 33,5 bilhões para US$ 46,2 bilhões. Trata-se de um aumento de 38% na comparação com 2006, superior à média de 35% dos super-ricos do ranking total da revista. O banqueiro Joseph Safra, de 68 anos, é o mais rico. Dono do banco Safra, ele aparece no 119º lugar na perspectiva mundial. Sua fortuna é de US$ 6 bilhões. Como segundo brasileiro mais rico e em 165º lugar no âmbito global está o empresário Jorge Paulo Lemann, da Ambev e Inbev, com R$ 4,9 bilhões. Um ex-banqueiro e atualmente empresário aparece no terceiro posto entre os brasileiros (214º no mundo): Aloysio de Andrade Faria, do Grupo Alfa, com US$ 4 bilhões. No quarto lugar (226º no mundo) vem a família liderada pelo empresário Antonio Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim, com US$ 3,9 bilhões (leia lista na página 7).


No âmbito internacional, delineou-se também um bom cenário para esta pequena parcela da população. O total de pessoas com patrimônio acima de US$ 1 bilhão, segundo a "Forbes", atingiu a marca recorde de 946 neste ano, 178 a mais do que o verificado no ano passado e maior do que qualquer outro número divulgado pela revista. Os Estados Unidos mantêm sua supremacia habitual. Possuem mais super-ricos do que qualquer outro país: 415. Mas a China mostra sua força com um belo segundo lugar. Ao todo, 53 países figuram na última lista da "Forbes", o que representa um recorde.


Os bilionários da "Forbes" acumulam hoje US$ 3,5 trilhões, com uma renda de US$ 3,14 bilhões, bem mais do que a média de US$ 231 milhões de 1982, quando Malcolm Forbes (1919-1990), criou o índice, há 25 anos. Na época, havia apenas 13 pessoas com fortuna acima de US$ 1 bilhão no ranking e era preciso ter US$ 75 milhões para ingressar no seleto grupo da "Forbes" - de apenas 400 nomes.


A senha atual para participar do clube é ter no mínimo US$ 1 bilhão. Trata-se de uma evidência de que a economia global está bem mais aquecida, um resultado direto de um ciclo de expansão inédito no mundo. Na análise de Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (o Banco Central americano), essa liquidez mundial é resultado do fim do comunismo, o que resultou na entrada de grande número de pessoas na sociedade de mercado.


Essa nova ordem mundial implica fortes mudanças. Quando era criança, por exemplo, um descendente da tradicional família Vanderbilt, que durante décadas esteve no topo da lista dos clãs mais ricos do mundo, acreditava que todas as pessoas que morriam se transformavam em estátuas. A impressão de que a morte se materializava em bronze nasceu de sua freqüente presença em cerimônias de inauguração de bustos em praças públicas poucas semanas após o funeral de seus parentes aristocratas.


Hoje, o pequeno príncipe provavelmente não teria elaborado a mesma teoria sobre o outro lado da vida. A roda da fortuna está muito mais dinâmica e os símbolos da riqueza estão mais concentrados em empreendedores individuais do que nos cultuados herdeiros de corporações. "É a maravilhosa meritocracia do dinheiro", explica Peter W. Bernstein, autor de "All the Money in the World" (Todo o dinheiro do mundo).


Seu livro, recém-publicado nos Estados Unidos pela editora Alfred A. Knopf, revela a história da vida dos super-ricos, segundo a revista "Forbes". A análise da publicação permite captar uma grande mudança no perfil do capitalismo: o chamado dinheiro velho de poderosos sobrenomes perdeu força para o dinheiro novo de self-made men e de nomes conhecidos apenas do jet set empresarial, consolidando o segmento social dos emergentes. A maioria desses super-ricos é filha da classe média, acumulou a própria fortuna e gosta de alardear sua origem modesta, muitas vezes na periferia do mundo.


Quando a lista da "Forbes" saiu pela primeira vez, 53% dos integrantes do ranking haviam criado o próprio império, ante 47% de herdeiros de famílias tradicionais americanas como Vanderbilt, DuPont e Rockfeller. No ano passado, a proporção de super-ricos que ganharam dinheiro com o próprio suor era de 70%, mais de duas vezes o número de pessoas que já havia nascido em berço de ouro.

Durante esses anos todos, houve também uma significativa mudança na relevância dos setores fundamentais para a acumulação de riquezas (ou super-riquezas). Em 1982 o petróleo era a fonte de 22,8% das fortunas. Era o setor mais relevante, batendo a indústria (15,3%), o mercado financeiro (9%) e o de tecnologia (3%). Na lista do ano passado, o petróleo caiu para 8,5%, o mesmo índice do setor industrial. A tecnologia, por outro lado, subiu para 11,7% e o mercado financeiro para extraordinários 24,5%. Não por acaso, esses dois setores são muito mais ligados à inovação.


Mas o que hoje é chamado de dinheiro velho nos Estados Unidos já teve seu momento de frescor. No fim do século XIX, o Reino Unido era a grande potência da economia internacional, e os EUA eram apenas uma ex-colônia britânica. Com as duas Grandes Guerras na primeira metade do século XX, as nações do Velho Mundo se tornaram terras arrasadas e os EUA emergiram como potência econômica mundial. Saíam de cena os nobres europeus e magnatas como John D. Rockefeller, Andrew Carnegie e Cornelius Vanderbilt ganhavam os holofotes. Rockfeller foi o primeiro bilionário da história. Chegou a controlar 90% das refinarias de petróleo dos EUA, acumulando uma fortuna de US$ 236 bilhões, em valores atualizados. Os feitos o elevaram a símbolo de uma era, que, segundo Bernstein, evidenciava uma energia de empreendedorismo extraordinária, quando a sociedade enfatizava o poder das corporações e os herdeiros das fortunas acreditavam que a vida acabava em liga metálica de cobre e estanho numa praça qualquer.

Por Robinson Borges, de São Paulo
Fonte: Valor Online 23/11/2007

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