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sexta-feira

A segurança jurídica e o caso 'drawback'

Ninguém hoje questiona o fato de que investimentos estrangeiros são bem-vindos em um país repleto de carências como o Brasil, sobretudo quando voltados a projetos nas áreas de infra-estrutura, tão carentes de investimento nas últimas décadas e condição necessária ao crescimento sustentável. Tampouco se duvida de que os negócios precisam de um ambiente legal que ofereça segurança jurídica para que se desenvolvam de forma duradoura. E dentre os vários sentidos possíveis, mas especialmente no meio empresarial, segurança jurídica significa previsibilidade e confiabilidade.

Neste contexto, o que já se denomina nos meios jurídicos como "caso drawback" é sintomático do quanto ainda temos a caminhar para chegar a patamares mínimos de segurança jurídica. Esclareça-se que "drawback" é o termo utilizado para denominar aquelas operações em que se importam bens que serão posteriormente exportados após sua industrialização no país. Justamente por reconhecer que não faria sentido onerar com tributos bens que serão posteriormente exportados, há mecanismos para evitar esse ônus fiscal e, assim, estimular exportações.

Ciente da necessidade de atrair investimentos estrangeiros em áreas de maior risco e com demanda de inversões de grande vulto, já no início da década de 90 foi editada uma lei veiculando benefícios fiscais para projetos previamente aprovados pelos órgãos de comércio exterior da administração federal, na forma de desoneração tributária via regime aduaneiro especial na "importação de matérias-primas, produtos intermediários e componentes destinados à fabricação, no país, de máquinas e equipamentos a serem fornecidos no mercado interno, em decorrência de licitação internacional".

A exceção decorrente da desoneração fiscal para bens que, afinal, não serão exportados se justifica para reduzir o custo de projetos que exigem grandes inversões financeiras, projetos estes que, por sua vez - e aí reside a lógica maior do benefício - deverão gerar novas exportações ou, quando menos, evitar importações pela capacitação do mercado interno à produção almejada.

Além dos requisitos relativos à importação de bens para a fabricação, no Brasil, de máquinas e equipamentos para venda no mercado interno, a lei exige que haja licitação internacional para o projeto e que este seja financiado por "instituição financeira internacional, da qual o Brasil participe, ou por entidade governamental estrangeira ou, ainda, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com recursos captados no exterior".

O fato que ora importa é que foi com base em uma consensual interpretação da norma legal aplicável pelo governo e empresas que inúmeros projetos foram desenvolvidos no Brasil desde a vigência do incentivo fiscal. Ocorre que, nos dois últimos anos, deixaram de ocorrer inúmeros investimentos de expressão e, pior, busca-se agora surpreendentemente punir todos aqueles que, fiados nesta interpretação consensual da norma legal, realizaram investimentos de grande vulto. E tudo porque o governo federal, por clara desarticulação institucional com o Ministério Público Federal, simplesmente encampou uma esdrúxula e totalmente nova interpretação da referida norma legal, que além de tudo ainda resultaria, por absurdo, na sua inconstitucionalidade.

Esta situação parece ter tido origem quando, provocado pela fiscalização da Receita Federal, o Ministério Público Federal teria constatado que o benefício fiscal teria sido indevidamente outorgado a uma certa empresa e, com base no exame daquele caso particular, teria chegado à inédita conclusão de que o termo "licitação internacional" contido na lei deveria ser lido como sendo, na verdade - verdade do Ministério Público, bem entendido - "licitação pública internacional" Simplesmente inseriu na norma legal o que nela não se contém - como se tal fora juridicamente possível.

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Não adianta o governo alardear benefícios do PAC se as turbulências jurídicas internas representam um risco
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Embora o termo "licitação" tenha origem no direito privado, insiste-se de forma tacanha que licitação seria sempre necessariamente pública e deveria, então, qualquer certame ser promovido à luz do artigo 5º da Lei nº 8.032, de 1990, ser realizado por entidades públicas e seguir o regime da Lei de Licitações. Dentre as inúmeras razões pelas quais essa interpretação não pode prevalecer - além da circunstância de ser obviamente contrária ao texto da lei e ao próprio espírito da norma - há uma definitiva: levaria à inconstitucionalidade da norma por violação da Constituição Federal, que proíbe que empresas públicas e sociedades de economia mista recebam privilégios não-extensivos ao setor privado.

Essa nova interpretação passou a significar que apenas órgãos e entidades públicas sujeitas à Lei de Licitações poderiam ser destinatárias do benefício fiscal. Assim, todas aquelas empresas que, por mais de uma década, realizaram investimentos planejados com base em um cenário jurídico conhecido passaram, como num passe de mágica, a uma situação jurídica supostamente irregular, segundo a qual os benefícios fiscais do "drawback" de mercado interno não lhes poderiam ter sido outorgados.

A partir daí houve determinação expressa aos órgãos da administração pública federal para que acatassem tal interpretação da norma legal e revissem todos os projetos aprovados com base na interpretação que até então prevalecera, revogando-os de forma retroativa - novamente em violação da lei, que proíbe expressamente que novas interpretações da lei pela administração pública atinjam situações pretéritas.

As conseqüências desta situação são nefastas, pois com base na revogação retroativa dos benefícios fiscais a fiscalização tributária federal tem lavrado autos de infração contra as empresas com elevadas multas, tornando projetos há muito encerrados em súbita contingência fiscal de valores quase sempre milionários. Movimenta-se a máquina pública de forma desnecessária e mais uma vez se induz as empresas ao litígio.

O quanto essa situação leva à quebra da confiança dos investidores estrangeiros, que de forma desleal foram iludidos em sua boa-fé, parece desnecessário enfatizar. A situação só não é caótica porque nos casos em que já foi chamado a arbitrar a questão, felizmente o Poder Judiciário tem sido unânime ao repelir prontamente a injurídica interpretação que agora se quer atribuir à lei.

Neste cenário, chama atenção a paralisia do governo federal, que acatou de forma mansa e imediata a "determinação" do Ministério Público Federal. Ora, de nada adianta ao governo federal alardear benefícios concedidos por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e comemorar o suposto "voto de confiança" que representa o aumento dos investimentos estrangeiros em 2007, malgrado as atuais turbulências nos mercados financeiros internacionais, se as turbulências jurídicas internas representam um risco de outra ordem e de ainda maior grandeza.

Quanto ao Ministério Público Federal, ainda que imbuído dos mais altos propósitos - do que não se duvida - deveria ter a nobreza de, em nome do interesse público, reconhecer o desserviço prestado à segurança jurídica pela qual deveria zelar, revendo o seu posicionamento neste lamentável episódio.

Paulo Rogério Sehn é advogado e sócio do setor tributário do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor Online em 19/10/2007
Por Paulo Rogério Sehn

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